A proposta é que, ao invés de crianças em medida protetiva ficarem em abrigos durante o período em que são afastadas de seus pais ou cuidadores, elas sejam cuidadas por uma família acolhedora. Que, na verdade, sequer eram reconhecidas como “sujeitos de direitos”, mas sim como meros “objetos” de intervenção estatal. “Quando o Estatuto foi sancionado, eu costumava dizer em minhas palestras – e continuo fazendo-o até hoje – que a sua implantação não é uma corrida de cem metros rasos e, sim, uma longa, exigente e conturbada maratona. Ela não depende apenas das mudanças no panorama legal. Este é um processo que, para efetivar-se de forma plena, requer um corajoso e amplo reordenamento institucional e uma melhoria efetiva nas formas de atenção direta, a partir de seus fundamentos”.
Tela tubular de proteção – Rede de proteção mecânica
Os estudos de Branco e Tomanik (2012) e de Dell’Aglio, Moura e Santos (2011) apontaram a responsabilização dos agressores como um dos eixos do enfrentamento da violência. Ainda, destacaram que o atendimento psicológico Tela de Proteção oferecido aos atores da violência pode ser um recurso para evitar casos novos. Deve-se possibilitar a reflexão dos agressores/abusadores acerca de seus comportamentos a fim de evitar a reincidência da violência.
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Que, também de forma lamentável, ainda não é reconhecido pela maioria como autoridade pública que é, como poderes – e deveres – equiparados à própria autoridade judiciária e que, a exemplo desta, deve atuar na busca da estruturação do município em termos de programas e serviços de qualidade, que possam atuar de forma espontânea – e resolutiva – diante de qualquer situação de ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis. A partir do reconhecimento, antes de mais nada, de que crianças e adolescentes são “sujeitos de direitos” e não mais, como no passado, meros “objetos de intervenção estatal”. E para que se obtenha êxito nesta difícil empreitada, como a própria lei evidencia, é necessário um amplo reordenamento institucional e o efetivo engajamento dos mais diversos órgãos e entidades públicas e privadas, que deverão se organizar internamente, planejar e articular ações, definir papeis e elaborar “fluxos” e “protocolos” de atendimento intersetorial/interdisciplinar, que precisam contemplar alternativas de abordagem/intervenção, de modo a atender as mais variadas situações que surgirem, independentemente de sua natureza, gravidade e/ou complexidade. Vale dizer, a propósito, que além de o Juiz [nota 14] não ser o “gestor” (não lhe cabendo indicar “quem” deve ser atendido ou não), de nada adianta a simples “aplicação de medidas” de maneira meramente “formal” se estas não tiverem respaldo em programas e serviços capazes de atender de maneira adequada, qualificada – e resolutiva – os casos de ameaça/violação de direitos infanto-juvenis [nota 15]. Semelhante entendimento ganha especial relevância em se tratando de crianças e adolescentes inseridas em programa de acolhimento institucional, na perspectiva de fazer com que este, mesmo quando cabível39, se estenda pelo menor período de tempo possível, o que importa em dar “voz” aos acolhidos, notadamente por intermédio do dirigente da entidade onde aquelas se encontram, que na forma da Lei40 é o seu “responsável legal” e, como tal, tem legitimidade não apenas para “enviar relatórios”, mas também para peticionar junto ao Sistema de Justiça na defesa de seus interesses.
Rosana Alves Melo, UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO
As redes de proteção precisam funcionar adequadamente, com cada ente cumprindo seu papel, garantindo atendimento para evitar, sobretudo o ápice dessa violência, que é o feminicídio. O objetivo é apoiar as mulheres, reforçar a importância de falar sobre a violência doméstica e sobre o direito das mulheres a uma vida com segurança, liberdade e paz. As Normas Operacionais Básicas definem a composição das equipes que deverão compor a política de assistência social, assim como deverão ser destinados recursos para capacitação e concursos públicos para contratação de mais profissionais; no entanto, a realidade tem sido bem diferente do que está previsto. No ano de 1979, foi promulgado o segundo Código de Menores, que revogou a “Doutrina do Direito Penal do Menor” e estabeleceu a “Doutrina do Menor em Situação Irregular”. Esse Código de Menores também não estava voltado para todas as crianças e adolescentes, mas apenas para aqueles que se encontravam nas situações descritas como irregulares, entre eles, as vítimas de maus tratos, as vítimas da omissão dos pais ou responsáveis e os autores de infração penal. A Lei preconizava que o “Juiz de Menores” poderia decidir, de maneira autoritária e isolada, a situação da criança/adolescente em situação irregular (Giaqueto, 2006).
São os familiares e as pessoas que convivem com as mulheres, em diferentes espaços, que primeiro veem as ocorrências, contudo, a maioria dessas pessoas, não faz nenhuma intervenção até por uma compreensão errônea de que é um problema da mulher/do casal e não um crime previsto na Lei Maria da Penha. Não se trata aqui de responsabilizar os atores sociais, mas percebe-se que alguns aspectos – como o não entendimento da lei e as diversas interpretações que a ela são dadas, os estereótipos e estigmas com que ainda são tratados as crianças e os adolescentes, a ausência de capacitação que promova mudanças de perspectivas, a falta de um posicionamento crítico-político, assim como a não interação entre os atores sociais – têm contribuído para uma atuação de forma desencontrada e uma Rede fragilizada. Temos uma Rede em que não há nós, que não possibilita os encontros e as trocas, mas há fios soltos, que não se conectam. Os princípios e diretrizes da política devem assegurar garantias sociais, como Segurança de Acolhida; Segurança de Sobrevivência e Renda e Segurança de Convívio e Convivência.
No entanto, mesmo com toda essa conjuntura, de conselhos em nível federal, estadual e municipal, e a organização das instituições em Rede, em que propõe o cumprimento da legislação sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, ainda não temos, na prática, a proteção das crianças e dos adolescentes sendo assistidos em todos os âmbitos. Com a vigência do ECA, a sociedade, e isso inclui também os atores sociais, precisa reestruturar-se a fim de atender às novas normas embasadas no princípio de que a criança é pessoa em desenvolvimento, é sujeito de direitos e é prioridade absoluta. As crianças e os adolescentes passam a ser considerados e respeitados como seres em formação, sujeitos de direitos como qualquer outro cidadão, e têm seus direitos fundamentais garantidos pelo referido Estatuto. Este representou um grande passo no exercício da democracia, garantindo às crianças direitos à liberdade, à participação e ao bem-estar na sociedade (Faraj, Siqueira & Arpini, 2016; Rosemberg, & Mariano, 2010). De igual sorte, é importante que a “rede de proteção” tenha a capacidade de apurar e indicar aos Sistemas de Justiça e de Segurança Pública possíveis falhas na atuação destes (seja por ação, seja por omissão), quer no que diz respeito ao adequado desempenho de seu papel institucional, nos moldes do que foi previamente ajustado com os demais integrantes do Sistema de Garantia[34], quer quanto aos casos individuais por eles atendidos, na perspectiva de evitar ou minimizar os efeitos da “revitimização” e/ou “violência institucional” já referidas. Assim sendo, cabe ao Poder Público, notadamente em âmbito municipal[18], organizar e preparar seus programas e serviços, qualificar seus agentes, definir papéis, instituir fluxos e protocolos de atendimento para fazer frente aos problemas que afligem suas crianças e adolescentes (assim como suas respectivas famílias) de imediato, na medida em que surgirem, intervindo com o máximo de presteza e profissionalismo na apuração de suas causas e em sua efetiva solução, sem prejuízo da realização de ações de cunho preventivo, no contexto mais amplo da supramencionada política de atendimento.
Esta medida foi desativada no início do século XXI, substituída por planos de governo voltados à segurança alimentar mais incisivos. Também não é o Juiz, logicamente, quem irá definir a “forma” como se dará a atuação do Poder Público [nota 16], pois esta deverá naturalmente observar os parâmetros técnicos e normativos aplicáveis à respectiva modalidade de atendimento, sendo a “intensidade” das abordagens e intervenções igualmente determinada pelas necessidades específicas da criança, adolescente e/ou família atendida [nota 17]. E não a condição de mero “cuidador” ou “fiel depositário” das crianças/adolescentes acolhidas, exercendo seus deveres para com estas em sua plenitude, e zelando – sponte própria – para que seus direitos sejam por todos respeitados.
A prevenção e o controle dos menores por meio de ações voltadas para a repressão e a punição estavam instituídos na FUNABEM e as FEBEMs visavam ao cumprimento das providências indicadas pelo Juiz (C. M. A. Santos, 2005). Lógico que não é necessário chegar a esse ponto, até porque o que realmente interessa é que o atendimento seja prestado com o máximo de qualidade e eficácia a todos que necessitem, e é perfeitamente possível que o Poder Público, a partir de gestões na esfera administrativa (realizadas, inclusive, pelo Conselho Tutelar [nota 19]), finalmente se conscientize de suas responsabilidades para com suas crianças e adolescentes e, na forma da lei, assegure a todas a “proteção integral” que há tanto lhes foi prometida. E esse fornecimento de informações que sejam de interesse à solução de uma determinada demanda judicial envolvendo uma criança, adolescente ou família que esteja sendo atendida pela “rede de proteção”, vale dizer, deve ser efetuado não apenas mediante solicitação da autoridade judiciária38, mas sim, inclusive, por iniciativa da própria “rede”, sempre que se entender necessário, ou “a pedido” da criança/adolescente/família, sendo certo que, quanto mais informações houver, e mais qualificadas estas forem, maior a chance de acerto na decisão judicial, o que por certo é desejado por todos. De igual sorte, é importante que a “rede de proteção” tenha a capacidade de apurar e indicar aos Sistemas de Justiça e de Segurança Pública possíveis falhas na atuação destes (seja por ação, seja por omissão), quer no que diz respeito ao adequado desempenho de seu papel institucional, nos moldes do que foi previamente ajustado com os demais integrantes do Sistema de Garantia33, quer quanto aos casos individuais por eles atendidos, na perspectiva de evitar ou minimizar os efeitos da “revitimização” e/ou “violência institucional” já referidas. E isto importa em fazer com que a “rede” não apenas exista, tanto de fato quanto de direito21, tendo uma clara definição de seus integrantes e dos papéis de cada um, assim como dos fluxos e protocolos de atendimento intersetorial respectivos, mas que também assuma o protagonismo da proteção das crianças e adolescentes no município, não mais ficando “a reboque” das decisões e determinações judiciais ou de outras autoridades. O que se observa é a prevalência de práticas baseadas no Código de Menores, que propõe a internação e a punição como solução, já que essas crianças e esses adolescentes são considerados mais perversos que muitos adultos.
TS – Considerando a rede institucional, além dos serviços especializados que mantém atendimento diário, há serviços não especializados que funcionam nos territórios que podem ser acessados pelas mulheres para atendimento ou informações, como os CRAS, os CREAS e as UBS e estes serviços encaminharão as mulheres para os serviços especializados. Para identificar, é preciso atenção das/os profissionais às marcas trazidas no corpo da mulher, as queixas recorrentes de dores, ao não dito. Existe outra forma de chegar à rede, através dos telefones disponíveis para atendimento, denúncias e orientações, como o 180 (Central de Atendimento à Mulher) e o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) que atendem todo o território nacional. Mas também os ofertados pelos serviços locais, como os dos centros de referência, que geralmente disponibilizam um “0800” para esse contato. Localmente, em âmbito estadual, na Paraíba funciona o disque 123 que pode ser acessado pelas mulheres, já que atende diversas violações de direitos humanos. Quanto aos atores sociais, não há formação para trabalhar na área da defesa e proteção dos direitos da infância e da adolescência.
As definições de rede de proteção está em sintonia com a legislação e a literatura (Aquino, 2004; E. T. Faleiros, 2003; Oliveira et al., 2006; Rizzini et al., 2007). Para Rizzini et al. (2007), a rede representa relações e interações estabelecidas que visam às ações ou trabalhos conjuntos. T. Faleiros (2003), as redes se organizam através da articulação de atores e organizações que são capazes de compartilhar e de negociar as responsabilidades para o desenvolvimento de ações conjuntas. Nesta mesma perspectiva, Oliveira et al. (2006) apontaram que a rede é um padrão organizacional que visa a uma tomada de decisão, a uma descentralização e prima pela flexibilidade, autonomia e horizontalidade das relações estabelecidas entre seus membros. Os caminhos trilhados no percurso histórico dos direitos e políticas de atendimento à criança e ao adolescente foram importantes para alcançar os direitos e a atual atenção preconizada à esta população.
[40]E sempre, antes do acolhimento institucional, deve-se avaliar sua real imprescindibilidade, devendo-se sempre procurar soluções alternativas, que podem, inclusive, ser apontadas pela própria criança ou adolescente atendida. [3]E não se está falando aqui em reparação “patrimonial” (embora esta seja também um direito das crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados). Caso se entenda necessário a tomada de alguma providência específica na esfera judicial (como é o caso dos já referidos afastamento da vítima ou do vitimizador da moradia comum[33]), é importante que os mecanismos de acionamento incluam as informações mais completas e esclarecedoras acerca da medida pretendida, sua eventual urgência e as razões para que seja ela determinada, valendo lembrar que, sem embasamento técnico e/ou jurídico idôneos, o ajuizamento da demanda e/ou a obtenção de uma decisão favorável (sobretudo em caráter de urgência) podem restar prejudicados. Vale destacar que, em sendo necessário o encaminhamento da criança, adolescente e/ou seus pais/responsável a algum atendimento ou tratamento específico, isto deve ser providenciado logo após a escuta, com o acionamento do órgão competente diretamente pelo próprio técnico responsável por esta (ou outro integrante da “rede” previamente indicado no respectivo fluxo de atendimento), independentemente da aplicação de qualquer “medida” por parte do Conselho Tutelar ou autoridade judiciária[28].
Além disso, permite à integração das políticas sociais e rompimento com uma atenção fragmentada no acompanhamento das famílias (CFP, 2012). A literatura aponta que, de modo geral, o trabalho em rede envolve uma construção coletiva através de relacionamentos, negociações, interesses compatíveis, acordos, movimentos de interação e também de adesão (Moreira, Muller, & Da Cruz, 2012). As ações em rede abrangem a recepção e o encaminhamento propriamente dito dos casos, discussão dos casos por todos os profissionais envolvidos no atendimento, acesso aos prontuários e processos judiciais, visitas interinstitucionais (acolhimento residencial ou institucional, fórum, escola, domicilio), debates tematizados, participação em espaços de discussão política e troca de saberes e experiências (Lorencini, Ferrari, & Garcia, 2002). Deste modo, exercer a articulação da rede implica agendas em comum, tanto para o desenvolvimento de acordos em relação aos desafios e ações, como para o acompanhamento dos casos e avaliações de fluxos (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2012). Nesse sentido, a rede de proteção representa uma nova forma de atenção voltada para a infância e adolescência, que visa à atuação integrada e articulada das instituições, órgãos e atores que atuam no atendimento de crianças, adolescentes e suas famílias (Oliveira, Pfeiffer, Ribeiro, Golçalves, & Ruy, 2006).